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Acerca de mim

Jornalismo U.F.Bahia/ Filosofia U.N.Lisboa/ Campeã Brasileira de Vela(Laser)/Nasci no Brasil(Bahia). Morei em Salvador, São Paulo, Cambridge, Ibiza e Lisboa.Autora de"O Caminho do Mar", Ilustração: Calasans Neto, ed.P555, Salvador-Ba,2004. Tenho três gatos:Homero, Bocage e Clarice(Lispector). Signo de Touro, ascendente em Leão, lua em Peixes.Doze e meio por cento de Sangue Índio(BR), a melhor parte de mim.

quarta-feira, maio 30, 2007

ANTROPOFAGIA TROPICAL

II

O encanto emudecera-os e ricamente preenchidos de nada, engatilhavam lembranças minuciosas sobrevalorizadas pela emoção de uma memória, uma música tocada de saber, uma continuidade anunciada se desdobrando em palpitações solicitantes de uma morada, uma habitação apropriada para a experiência de um colapso, uma perda próxima do controle, que envolve sofrimentos e danos, riquezas e tronos. O novo hospedeiro habitaria doravante ambos os corpos, se misturando com as individualidades de cada um para gerar situações de espanto, de jogo, de vida. Aquela tez mediterrânica de andar indolente e olhar atento provocava-a deixando-a em suspensão a respeito da objectividade das coisas. Por instantes esqueceu a funcionalidade da caneta, da cadeira, da roupa que vestia e das soluções quotidianas na sua relação efectiva com o mundo. Um frio não meteorológico, não proveniente das condições físicas, a invadira promovendo-lhe uma sensação de transporte involuntário. Sentia-se perdida, não funcional, tolamente apaixonada com um futuro que emergia numa colecção de decisões incertas a promoverem um sentimento confuso, perda de identidade, um instante de morte.
As mãos inertes caíram sobre a mesa de fórmica barata num gesto religiosamente doado e bem perceptível. Ele tornou a olhá-la e desta vez teve a certeza de uma totalidade que despontava fragmentariamente nítida. Ela muda, paralisada, com o olhar desconcertadamente desviado escrevia-lhe na imutabilidade das horas um testamento afectivo. Ele desarmava-se da sua vivência acumulada e precisava reinventar-se para encontrar a altura do instante diante. Isto implicava uma actividade em parte conhecida, mas na sua porção importante completamente nova e assustadora. Improvisava um sentimento de posse recriando-se como o possuidor a medida da presa. Perdia-se e continuava o seu discurso duplo, um suportado pelos significantes sonoros e outro penetrante, aparentemente mudo, promovendo qualidade ao resto. Sentia-se absolutamente vivo esbanjando o que gostaria de poder controlar e reter. Não queria errar os movimentos ou descontrolar as consequências e acabava por afrouxar a lógica de construção dos conceitos. Ela captara-o e propunha-se raptá-lo para longe de qualquer possibilidade arisca de escape, percebendo a inteligência hábil camaleónica que por sua vez julgava poder auscultá-la. Inconscientemente desejava ser raptado, amordaçado, tratado ao gosto da assaltante convidada
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