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Acerca de mim

Jornalismo U.F.Bahia/ Filosofia U.N.Lisboa/ Campeã Brasileira de Vela(Laser)/Nasci no Brasil(Bahia). Morei em Salvador, São Paulo, Cambridge, Ibiza e Lisboa.Autora de"O Caminho do Mar", Ilustração: Calasans Neto, ed.P555, Salvador-Ba,2004. Tenho três gatos:Homero, Bocage e Clarice(Lispector). Signo de Touro, ascendente em Leão, lua em Peixes.Doze e meio por cento de Sangue Índio(BR), a melhor parte de mim.

sexta-feira, maio 25, 2007

ANTROPOFAGIA TROPICAL

I

As badaladas esperavam com ansiedade a sua sonoridade pontual. Todas as pernas faziam seus movimentos de tesouras apressadas, desvairadas, no percurso das existências sem sentido, a descer e subir degraus que se estiravam em curvas para levar os transeuntes até ao nível do chão ou ao último andar. Muitos fragmentos de intenções, nem sempre totalmente descortinadas, cruzavam-se sem se desmembrarem, nas suas insipiências, pela simples passagem dos outros em situações semelhantes. As intenções são persistentes e, ainda que cegas, vão abrindo caminhos às decisões, que por ventura encontram as suas brechas no mundo dos vivos que se impõem consoante a fibra que a cada um reveste. Assim também procedia o encanto pela atracção do primeiro dia em que o vira, uma sensação também obscura, mas não fraca, que prendia a alma aos encantos daquele novo modo, aquele ser que a envolvia e roubava-lhe as capacidades de defesa. Já sabia do irreversível processo em que fora convocada. Era capaz de reconhecer aquela força que procura pessoas para nelas se instalar dominando sem pedir consentimento, como um vírus que muda de forma e cristaliza ao sentir-se constrangido. O hospedeiro parte para tão perigoso jogo com ou sem o receio que refreia a imaginação peregrina que aliena e desenvolve a sua habitação própria no centro de uma vida fragmentada, impondo-lhe uma unidade de destino ansioso e duvidoso. Ele também a notara com o sabor que só a tropical coincidência afectiva poderia proporcionar, e intensificando a prosa com um dinamismo inesperado, uma força extra que acompanha uma maquinação desconhecida a preparar a sua duração, as suas modulações, a sua cadência, a sua estadia. Ela não lhe passava despercebida, e os olhares, forçosamente esparsos, denunciavam, pela proeminência da sua qualidade, o susto, o inesperado. A possibilidade com suas asas informes inquietava duas pessoas até então desencontradas, separadas, problematicamente sós. O interesse redobrava a emoção e o silêncio catalizava o entorpecimento, que só quem o vive pode comunicar sem palavras, sem gestos, sem nada. Como se algum deus se apossasse do fascínio de duas pessoas despreparadas para tal confronto e então, com sarcasmo, as colocasse à mercê de um sentimento primitivo, anterior ao pensamento, desconcertantemente manifesto.

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