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Acerca de mim

Jornalismo U.F.Bahia/ Filosofia U.N.Lisboa/ Campeã Brasileira de Vela(Laser)/Nasci no Brasil(Bahia). Morei em Salvador, São Paulo, Cambridge, Ibiza e Lisboa.Autora de"O Caminho do Mar", Ilustração: Calasans Neto, ed.P555, Salvador-Ba,2004. Tenho três gatos:Homero, Bocage e Clarice(Lispector). Signo de Touro, ascendente em Leão, lua em Peixes.Doze e meio por cento de Sangue Índio(BR), a melhor parte de mim.

segunda-feira, abril 23, 2007

É preciso, no entanto, que nos mitos bem compostos não seja o acaso a determinar o seu começo ou o seu fim, e decididamente, os mitos devem ter uma extensão adequada à apreensão da memória. E tendo em conta a Memória, Menemosine, mãe das Musas, a tragédia deve ser extensa sem perder de vista a sua apreensão e nesta extensão estar dado o transe da infelicidade à felicidade ou, o que é o mais das vezes a passagem da felicidade à infelicidade. A unidade do todo da tragédia é conferida pelas acções unas e completas, pela imitação correcta dos mitos, de modo necessário, influenciando o todo. Sem unidade não poderia haver tragédia, pois também a unidade pertence ao herói, no modo como se sente a si próprio, sua atmosfera trágica advém de não ter muitas saídas, pois sua autenticidade não o permitiria. A acção inteira e completa deve ter princípio, meio e fim. Pois é enquanto organismo vivo que produzirá prazer. A verosimilhança e a necessidade na sucessão das acções são determinantes na plausibilidade do poema, na sua universalidade. As acções simples não contêm nem peripécia nem reconhecimento na mudança de fortuna. A acção complexa, por sua vez, é aquela que as contém. Aristóteles não descura a causalidade implicada na conexão dos factos. O acaso aqui não é apreciado se utilizado sem a devida pertinência, revela a falta de talento do poeta. O reconhecimento é a passagem da ignorância para o saber, e através desta passagem revela-se ou não a genialidade poética. Não devo deixar de dizer que uma tragédia deve suscitar o terror e a piedade, além do prazer que lhe é próprio, no uso artístico dos dados da tradição. Uma tragédia deve utilizar apenas um mito, uma epopeia pode utilizar vários. É o maravilhoso na ordem do inteligível, do racional, ao contrário do que se passa na epopeia. Aristóteles cita Homero, em relação à perseguição de Aquiles a Heitor, onde um apesar de ser mais veloz do que o outro não o consegue apanhar[1]. Situações destas são de evitar na tragédia. Se houver algo de irracional, que este algo se encontre fora da representação e quanto a isto, menciona a ignorância de Édipo em relação à morte de Laio. A tragédia também se diferencia da comédia, pois a primeira trata assuntos elevados como a epopeia, mas a comédia de assuntos torpes, o ridículo…e tem origem distinta. Aristóteles parece dar de forma nítida a superioridade poética a tragédia, mas Schiller[2] aponta alguma problematicidade, quando se trata do tratamento do objecto, está de acordo com Aristóteles, mas se voltar-mos a atenção para a exigência do sujeito mais importante, a resposta penderá sobre o sujeito em causa, o próprio poeta. O poeta trágico transporta o seu objecto, o cómico tem em contrapartida, de manter o seu num plano esteticamente elevado através do seu sujeito. Aquele pode tomar um impulso, para o que precisamente não é necessário fazer muito; o outro tem de permanecer igual a si próprio, tendo portanto de já estar lá, de estar em casa, aí onde o outro não consegue chegar sem um ímpeto…por leveza e permanência. No primeiro a liberdade vem de um impulso exterior, divino, no segundo há uma liberdade própria, tratando o objecto da comédia de forma teórica, precavendo-se contra o pathos e entretendo o entendimento. O autor trágico, por sua vez, defende-se contra a reflexão serena visando despertar o interesse do coração. Schiller em parte concorda com Platão, quando vê qualidade de vida no encontro com contingências, e não com destino. Schiller aponta para uma ironia, a de poder rir com as incongruências em vez de encolerizar-se ou chorar por um mal momento[3].
A origem do nome tragédia pode ter uma causa imaginada por Eratóstenes. Dioniso teria ensinado a Icário[4] o cultivo da vinha, um bode comeu dela e então o animal foi sacrificado e os vinheteiros teriam dançado e cantado sobre a pele cheia de vento do animal, e quem não caísse recebia a carne e vinho. O coral era TRUGOIDIA, relativo a vinho novo, e a denominação TRAGOIDIA, por dizer respeito a um TRAGOS, bode, o prémio. Eratóstenes (275-195) era discípulo de Calímaco, poeta, e seu sucessor enquanto director na biblioteca de Alexandria.
[1] Homero, Ilíada Canto XXII 199-201
[2] Schiller, Sobre Poesia Ingénua e Sentimental § 56
[3] O poder do riso teria sido tratado por Aristóteles, em obra perdida, tese de Umberto Eco, em O Nome da Rosa. O tema foi recuperado por Bergson, na obra O Riso.
[4] Sousa, Eudoro, Téspis, Origem da Tragédia na Ática, INTRODUÇÃO À POÉTICA, Imprensa Nacional-Casa da Moeda: Icário era uma cidade na Ática, segundo Téspis. Seus habitantes segundo Eratóstenes, foram os primeiros a dançar em torno do bode.

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