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Acerca de mim

Jornalismo U.F.Bahia/ Filosofia U.N.Lisboa/ Campeã Brasileira de Vela(Laser)/Nasci no Brasil(Bahia). Morei em Salvador, São Paulo, Cambridge, Ibiza e Lisboa.Autora de"O Caminho do Mar", Ilustração: Calasans Neto, ed.P555, Salvador-Ba,2004. Tenho três gatos:Homero, Bocage e Clarice(Lispector). Signo de Touro, ascendente em Leão, lua em Peixes.Doze e meio por cento de Sangue Índio(BR), a melhor parte de mim.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Quem é Machado de Assis?

A obra é mais importante que o escritor e mais importante que as musas... Quem nunca leu Machado de Assis, poderá começar por saborear as "Memórias Póstumas de Brás Cubas", um mar de humor e ironia, aliada à cultura filosófica. Trata-se de um defunto autor a relatar a sua vida, a partir da morte, onde, no prólogo, confessa ter adoptado uma forma livre de um Sterne ou Maistre, com a dúvida de lhe ter injectado rabugens de pessimismo.
Uma obra de finado escrita com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. E receia não vir a desfrutar nem da estima dos graves nem da estima dos frívolos, que segundo o morto,são as colunas máximas da opinião.
Sua única esperança, de algum sucesso, é não se demorar com explicações, apostando num prólogo curto e obscuro. Nem se arrisca a relatar o processo das ditas Memórias, trabalhadas no outro mundo. A obra em si é tudo. E, abstendo-se de agradar o leitor, ameaça-o com um piparote.
A quem é dedicado o livro?
Ao primeiro verme roedor de suas frias carnes... Se a vida é cientificamente comemorada, na sua origem, pelo primeiro espermatozóide que penetra o óvulo, aqui a decomposição, na morte, tem o seu pioneiro.
Depois de hesitar, se começaria as suas memórias pelo começo ou pelo fim, optou pelo menos vulgar, pelo óbito. Moisés foi um líder e relatou a sua morte, colocando-a no final, ele, sendo um defunto autor e não um líder, começa por aquilo mesmo que ele é: um morto.
Morreu na sua chácara em Catumbi, com seus 64 anos, solteiro, próspero, com 300 contos. Onze amigos! Era uma sexta-feira do mês de agô sto e nesse dia chovia. Um amigo que recebera de Brás Cubas vinte apólices, aproveita para relacionar a chuva, o mau tempo, com a saudade por um carácter extraordinário! Tenho a impressão que o autor achou um exagero, mas julgou ter empregue bem o seu dinheiro em beneficiá-lo.
Sem as dúvidas de um Hamlet, encaminhou-se para a obscuridade do seu país. Pausado e trôpego.
Aguça a curiosidade do leitor ao mencionar a presença de uma anónima no seu leito de morte, aquela que mais terá sofrido com a sua transferência para o outro mundo. Aliás, conta em tom de quase queixa o facto de sua vida não reunir elementos de uma tragédia. Resta-lhe morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo o soluço das damas, a fala baixa do homens , a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha...
A vida estribucháva-lhe no peito com ímpetos de vaga marinha e a orquestra de morte foi menos triste do que podia parecer.
De que morreu Brás Cubas?
Pôs em relevo a presença de uma ideia, que se lhe pendurára num trapézio que tinha no cérebro.
Ideia que dava imensas voltas, ainda que não descodificada: Desfrutava de um ponto fixo, condição necessária do movimento ou alteração, e não livre da obrigação de contemplá-la, que entretanto deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar uma forma de X: decifra-me ou devoro-te.
A sua ideia, uma vez decifrada, acabou por matar Brás Cubas antes ainda de vê-la concretizada.
Brás Cubas morreu de um pneumonia mal tratada, portanto mal curada. Estava tão entretido com a sua ideia, que relaxando nos cuidados do seu próprio mal original, a hipocondria, acabou por adoecer de modo fatal.
Qual era a sua ideia?
Sua ideia vinha ao encontro de uma vontade humana de vencer a obscuridade. Aquilo que moveu Aquiles ao heroísmo e todos que percorreram o caminho da glória. A ideia era inventar um medicamento anti-hipocondríaco, salvá-lo da própria doença e salvar a melancólica humanidade. Por um lado seria visto como filantropo e seria rico, e, para ele próprio ,que agora morto confessava, teria o gosto de ver impressas nos jornais,... caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas.
Comunicando directamente com o leitor, coloca-o entre duas hipóteses a decidir: à do seu tio religioso que afirmava que o amor da glória é a perdição das almas e à do seu tio militar que contrapunha dizendo que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana a que o homem poderia almejar.
Depois eu conto o delírio de Brás Cubas, momentos antes de morrer!

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